Publicado em 25 de maio de 2022
Tema muito explorado pela imaginação humana, a vida prisional é frequentemente o plano de fundo para filmes, músicas, livros e séries . Do clássico russo, “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski, que narra o homicídio, prisão e redenção do estudante Raskolnikov, ao hit nacional “Diário de um Detento” do grupo Racionais MC´s, que aborda o massacre de Carandiru, a realidade penitenciária recebe holofotes de artistas de todo o mundo. Mas e a atenção do poder público? Com uma das maiores taxas de aprisionamento do mundo, a ressocialização da população prisional se torna cada vez mais uma emergência pública no Brasil.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui mais de 800 mil pessoas em cumprimento de pena, o que leva o país a ocupar a terceira posição no ranking mundial de países com maior contingente de encarcerados. No cenário regional, o estado do Rio de Janeiro se destaca com mais de 52 mil presos, estando a maioria cumprindo pena em reclusão da sociedade, como mostra o último levantamento do Tribunal de Justiça do RJ.
Além disso, se o contingente penitenciário do Brasil permanecer com o crescimento de 8,3% ao ano, como indica o último estudo do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o número de detentos no país pode beirar a 1,5 milhão até 2025. Diante disso, a pergunta que a Fundação Santa Cabrini convida o leitor a fazer é: “Como essa população prisional irá se ressocializar?” A reincidência criminal é um dilema que coloca em risco a nossa segurança, gera um ciclo de marginalização e eleva os gastos públicos com as unidades penitenciárias, e por isso, é um problema que precisa ser encarado e enfrentado pela sociedade o quanto antes.
Para isso, segundo a coordenadora do setor de empregabilidade da Fundação, Cláudia Edna, romper com o preconceito e a discriminação é o primeiro passo em direção a uma sociedade mais inclusiva: “Recebemos diariamente aqui na Fundação, no Largo do Machado, pessoas em cumprimento de pena que só querem uma chance para recomeçar suas vidas com dignidade. Embora tenham errado no passado, são pessoas que podem, sim, acertar hoje, com qualificação, trabalho e oportunidade. O preconceito exclui, tranca as portas e aprisiona ainda mais o indivíduo no ciclo de marginalidade e violência.” explica.
Nesse cenário, falar do Dia Nacional do Detento não é promover a cultura do crime, nem projetar a figura do infrator como “heroi”. Falar do Dia Nacional do Detento serve justamente para lembrar que por detrás de todo “detento”, há um ser humano que pode se reinventar, mudar e reconstruir sua vida para além do delito cometido. Há vida após o cumprimento de pena e as vivências ilícitas do passado podem ser deixadas para trás. Desde 1977, a Fundação Santa Cabrini testemunha milhares de casos de transformação no estado do Rio de Janeiro, por meio do trabalho e da qualificação profissional.
Deixando para trás
Victor Tavares de Andrade, 23 anos, morador de Padre Miguel, em Bangu, cumpre pena desde 2017 e confirma que é possível, sim, deixar a vida ilícita para trás e viver uma nova realidade: “Não tem como apagar as consequências das nossas decisões e nem simplesmente esquecer o que aconteceu. Nunca vou esquecer do dia que fui preso, em 2017, duas semanas depois que completei 18 anos. Eu havia trocado tiro com a polícia no dia anterior, e aí, veio o mandado de prisão e fui preso dentro de casa. Eu, algemado no banco de trás da viatura. Minha mãe e minha vó chorando na calçada. Nunca vou esquecer aquela fase da minha vida. Mas não preciso revivê-la. Decidi mudar o rumo da minha história.” relata Victor, que na última quinta-feira (19), participou de uma oficina de qualificação profissional na sede da Fundação, no Largo do Machado.
Após uma infância traumatizada por problemas familiares, Victor conta que foi na pré-adolescência que ele foi seduzido pelo crime: “Desde pequeno, eu era o único homem do lar, com cinco irmãs dentro de casa. Ao invés de estudar, procurava trabalhar em bicos por aí para ajudar a minha mãe. O tempo foi passando e me tornei revoltado com tudo. Escolhi o caminho errado e que parecia mais fácil. Comecei a guardar um negócio aqui, fazer uma missão ali, e quando eu fui ver, eu já estava dentro do tráfico de drogas aos 14 anos, lá em Petrópolis. Eles viram que eu era um jovem revoltado, sem nada a perder, disposto a fazer qualquer loucura. Então fui ganhando confiança e responsabilidade lá dentro. Até que fui preso em 2017 com 18 anos”
Pai do Enzo, 5 anos, Victor passou a cumprir sua pena em regime semiaberto em agosto de 2020, e após várias tentativas frustradas atrás de uma oportunidade de emprego, buscou ajuda recentemente na Fundação Santa Cabrini: “Chegando aqui, fui muito bem tratado e acolhido. Participei das palestras de qualificação. O meu sonho é conquistar o meu espaço no mundo, ser o orgulho da minha mãe e das irmãs e dar o melhor para o meu filho. Já voltei a estudar, e agora, com essa chance de trabalhar que a Fundação está me dando, minha meta é reconstruir de vez a minha vida. Deixar o passado para trás e recomeçar.” concluiu.
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Em celebração ao Dia Nacional do Detento, a Fundação Santa Cabrini parabeniza a todas as pessoas em cumprimento de pena no estado do Rio de Janeiro, que assim como o Victor de Andrade, estão decididas a deixar para trás o que passou e a recomeçar com trabalho, excelência e dignidade.